Tudo aquilo que você ama,
eventualmente perderá, mas,
no fim, o amor retornará em forma
diferente.
Jordi Sierra I Fabra (Kafka e a boneca viajante)
Para compreendermos a importância das experiências de perda para o desenvolvimento emocional, temos que resgatar o significado de luto conceituado por Sigmund Freud em seu seminal trabalho Luto e Melancolia (1915), assim como a posterior contribuição de Melanie Klein para os estudos do desenvolvimento infantil em sua “Teoria das Relações Objetais”.
Freud entende o luto como reação natural à perda, não necessariamente a morte de um ente querido, mas também a algo que tenha muito valor. Trata-se de um processo lento, doloroso e consciente, com grande gasto de energia psíquica, que se instala no indivíduo com o propósito de elaboração da perda e que, embora tenha caráter patológico, não é considerado doença, podendo ser superado após um tempo. A esse processo denominamos “trabalho de luto”. Para Freud em O Ego e o Id (1923), o nascimento e, portanto, a experiência de separação da mãe, seria a matriz do sentimento de ansiedade deflagrando o perigo do desamparo.
Melanie Klein, por ter sido uma extraordinária pesquisadora do desenvolvimento infantil, contribuiu enormemente para a compreensão da dinâmica psíquica na constituição do sujeito. A autora nos oferece uma teoria conhecida como “Teoria das Relações Objetais”, sugerindo que nos primeiros meses de vida o bebê apresenta uma percepção da realidade bastante distorcida, em que mantém relações apenas com objetos parciais, sendo que o primeiro objeto é o seio materno que, de acordo com essa condição presente no início da vida, se apresenta cindido - ora como seio bom (gratificador) ora como seio mau (frustrador) - e é por meio dessa relação primordial que gradativamente o ego irá se desenvolver. Esse processo conta com dois mecanismos de defesa: introjeção e projeção, que auxiliam no processo de construção do mundo interno. De acordo com Klein, a partir do segundo semestre do primeiro ano de vida, o ego do bebê, um pouco mais organizado, começa a perceber que o objeto que gratifica é o mesmo objeto, mãe, que o frustra, delineando-se assim, um objeto mais integrado. Vale lembrar que esse processo é dinâmico, caracterizado por avanços e retrocessos.
A autora diz que essa passagem da incorporação de objetos parciais para objetos inteiros é catalisada pelo desmame que é o primeiro luto vivenciado proveniente da posição depressiva. O bebê experimenta a perda do seio, fonte de nutrição, prazer e todas as suas representações simbólicas, com sentimentos depressivos, fantasias e impulsos destrutivos. Nessa fase, acontece também sentimento de perda dos pais - Complexo de Édipo. Portanto, o mundo interno é habitado por objetos parciais e inteiros bons e maus, esse desenvolvimento acontece por meio da relação da criança com a mãe, depois com o pai e com outras pessoas pela “internalização”.
O luto patológico, denominado por Freud “Melancolia”, é caracterizado por uma perturbação na autoestima, ou seja, o melancólico se autodeprecia e, diferente do sujeito enlutado, não tem consciência do que perdeu. Portador de um ego frágil, experimenta a regressão ao narcisismo primário, ficando impedido de elaborar a perda “No luto, é o mundo que fica pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego” (Freud, 1915).
Para Klein (1940), o luto patológico consiste na dificuldade de superar a posição depressiva arcaica, prevalecendo defesas da posição esquizoparanoide. A autora descreve casos nos quais ocorre uma espécie de sufocamento dos sentimentos amorosos, dando vazão ao ódio, que promove ansiedades paranoides, deflagrando, em alguns quadros, crises maníacas depressivas e paranoicas que seriam uma forma de lidar com ansiedades depressivas primitivas semelhantes às presentes no início da vida.
Tanto Freud como Klein postulam que no luto patológico acontece uma ligação interminável com o objeto perdido e essa qualidade de dinâmica psíquica pode ser expressa em disfunções alimentares (vômitos, bulimia, anorexia) e no suicídio como expressão máxima de agressão ao outro, ainda que o outro se encontre, como objeto interno, dentro do próprio ego.
A partir das reflexões desses dois autores, podemos concluir que perdemos desde que nascemos. Algumas perdas, quando muito significativas, poderão marcar a nossa alma. Porém, semelhante ao processo de cicatrização, acontece naturalmente a recuperação do tecido psíquico e o ego se tonifica. Apesar das nossas dores, ou até mesmo por causa delas, é que acontece nosso desenvolvimento emocional e o fortalecimento da amorosidade instalada no nosso mundo interno, que se expressa por meio dos sentimentos de tolerância, gratidão, solidariedade, paciência, compaixão, coragem, empatia e esperança.
Estamos continuamente diante de desafios muitas vezes extremamente penosos, que podem gerar oportunidades para que possamos restaurar, reorganizar e reeditar nossos valores, nossos vínculos, nossa afeição e encanto pela vida e o prazer de estarmos vivos!