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A MULHER E SEUS MISTÉRIOS
“... sendo mulher eu escancaro os
tabus, mas não revelo os mistérios...” (Rita Lee)
Escancarar
tabus é talvez, uma coragem que podemos encontrar em algumas mulheres,
começando pela própria Eva, a primeira mulher de nossa história de mitos da
humanidade, que encarou o grande tabu quando pensou em algo que contrariava uma
ordem do deus todo poderoso. Acabou ficando culpada pela expulsão do paraíso,
punição que receberam por terem comido o fruto do conhecimento. As críticas
contra essa mulher, a transformaram numa ‘serpente traidora’, que teria
seduzido o frágil Adão, conduzindo-o a transgredir a regra. Eva pensou em algo
que não tinha sido falado; mas por que teria sido a mulher que tivera a ideia
nova, e não o homem?
Vivemos em uma
sociedade preconceituosa, sendo a violência também escancarada e cruelmente
banalizada, ganhando expressões gigantescas no racismo e na homofobia, mas
ressalto nesta minha reflexão a violência contra as mulheres.
O machismo é
uma expressão de rivalidade com o feminino, uma revelação do conteúdo invejoso
que se faz presente em todo e qualquer tipo de ataque contra o feminino. Dentro
de todo homem e de toda mulher existe o aspecto feminino e o masculino. Como
sabemos, o feminino é representado através das formas arredondadas da mulher,
como o útero, o seio, também a vagina, a gestação, o nascimento e amamentação;
é simbolizado no abraço, no colo e no carinho. O masculino sendo diferente do
feminino, surge simbolizado em uma força mais agressiva e intrusiva; tudo
aquilo que lembre o falo, o poder, o que penetra, também o que protege e semeia
para fecundar. O masculino é algo expressivamente exposto, já o feminino
reserva em seu interior os mistérios que nos mobilizam a desvendá-los.
O ser humano é
fruto de um casal, não existiríamos com apenas uma parte. Se somos seres
incompletos e precisamos sempre de outra parte para nos constituirmos humanos,
por que uma parte iria querer destruir a outra parte? Por que o masculino
sempre quer atacar o feminino? Se a
mulher é imprescindível tanto quanto o homem, por que este homem mantem uma
conduta de ataque e superioridade repetindo o padrão cultural imposto desde o
início dos tempos?
Seria isso um
machismo estrutural?
Recentemente,
em uma das aulas que participo com Dr. Arnaldo Chuster [1],
fui surpreendida com uma pergunta inusitada: Quem foi o primeiro ser humano que
pensou, o homem ou a mulher?
Arnaldo, com
sua pergunta inédita, parece que ativa em nossas mentes uma condição para
pensar em algo que antes nunca havia sido considerado. Ele prossegue explicando
para o grupo que foi a mulher quem primeiro pensou na vida humana, devido à
condição materna para a reverie.
Wilfred Bion
explica que “a capacidade de reverie da mãe é o órgão receptor da colheita de
sensações que o bebê, através de seu consciente, experimenta em relação a si
mesmo”[2].
Lembrando que o consciente do bebê nos primórdios da vida se restringe ao corpo
e às sensações físicas. A mulher ao
desempenhar sua função materna, conta com uma capacidade intuitiva que a faz
captar as sensações de seu bebê e traduzir, ajudando-o a metabolizar os
desconfortos. Assim, podemos compreender a reverie como sendo aquela condição
admirável que uma mãe tem para ‘adivinhar’ o que seu bebê precisa e oferecê-lo
os cuidados apropriados.
Podemos
considerar que é do feminino essa função reverie, que faz sonhar e que traz à
luz, sempre, algo que foi fecundado e semeado pelo masculino. Um completa o
outro e cria além. Internamente a mulher, ao conceber seu bebê, também gesta o
pai de seu filho em sua própria mente, harmonizando assim seu casal simbólico.
A ideia de um casal que gera um terceiro é um princípio gerador de vida na
saúde mental do ser humano.
Freud disse
que a mulher tinha inveja do pênis. Melanie Klein, como uma mulher bem
constituída internamente, provavelmente com um casal interno fértil, não entrou
em rivalidade com seu mestre, muito pelo contrário, deixou-se fertilizar por
ele, e quebrou tabus ao mostrar a inveja que o homem tem dos principais
aspectos femininos, o útero e seios. Sabemos que pênis, útero e seios são
símbolos que toda mente humana pode ter, desde que esteja protegida de ataques
machistas e violentos.
Mas então por que as mulheres são tão atacadas
e humilhadas se o feminino habita em cada um de nós e é um fator essencial para
uma condição de pensar?
Desvendar os
mistérios de uma mulher parece ser um exercício de contínua e incessante busca,
uma força que move alguns seres humanos a se apropriarem de seu feminino interno,
porém, em outros tantos seres, a força mobilizada é a destrutiva e invejosa,
que não fertiliza nada.
Não apenas as
mulheres têm mistérios para serem revelados, mas todo ser humano capaz de
preservar e cultivar o feminino que existe dentro de si.
Raquel Siminati
Membro Associada da SBPRP e Membro do GEP Rio Preto Região